terça-feira, 13 de agosto de 2013

Bling Ring, Nancy Jo Sales



Entre os anos de 2009 e 2008 um grupo de ladrões chamou atenção da imprensa americana pela série de roubos e invasões de domicílio que praticaram. A imprensa os chamou de Bling Ring, porque todas as casas invadidas e saqueadas eram de jovens astros de Hollywood, símbolos do novo estilo de vida das celebridades. E os ladrões, adolescentes, recém-saídos do colégio, que tinham uma vida razoavelmente confortável. Nancy Jo Sales, autora do livro, publicou uma reportagem na Vanity Fair sobre o grupo. Sofia Coppola, ao ler a matéria, se interessou em fazer um filme sobre a história de adolescentes que pegam sapatos, bolsas, casacos, jeans, óculos, obras de arte da casa alheia, como se estivessem “indo às compras”. Sofia um momento diz: alguém devia fazer um filme sobre isso, essa história destila toda a angústia cultural dos dias de hoje. 

É atordoante ler esse livro. Ele vira um espelho na sua cara, e foi meio difícil não me identificar com os garotos da Bling Ring, com todos eles, em algum ponto. Fiquei pensando na tal “angustia cultural” com que todos nós estamos, de alguma forma, envolvidos. E isso é a coisa mais interessante, você não consegue fugir. Você pode até adotar uma postura negativa em relação à fama de Paris Hilton, de Lindsay Lohan, achar que essa super exposição é vazia e fútil, que é uma fama sem méritos e que tudo é fruto da tal “cultura da vulgaridade” que revistas e sites de fofoca se tornaram símbolos. Você pode pensar assim, mas essa postura consciente e deliberada é uma reação a algo que existe. E Jo Sales nos diz: o elefante esta em cima da mesa.


É de forma muito delicada que ela se volta para esses adolescentes e se questiona “por quê?”. Por que essas celebridades? Por que entrar na casa alheia e pegar roupas e sapatos e joias? Por que contar para todo mundo que estavam fazendo isso? Por que postar fotos no facebook com os objetos roubados? Eles não tinham medo de serem pegos. E mais, eles realmente viveram aquele estilo de vida repleto de grifes caras e boates famosas, e também acreditaram que esse é o estilo de vida que todos nós queremos ter. Será? Será que não? Será que não quando se tem 16, 17 anos? 

Jo Sales levanta uma pesquisa que aponta que os super-ricos são apenas 1% da população americana, e que os 99% restantes nunca estiveram mais endividados por consumir produtos que fazem parte do estilo de vida desses 1%. Isso me chocou. Isso me fez lembrar a pergunta que a lagarta faz a Alice: Quem és tu? Essa pergunta está sendo feita desde o século 19, e talvez antes. E é genial que Alice não saiba responder, porque ela já foi grande e pequena que já não sabe mais o que é naquele momento. Os garotos da Bling Ring viviam uma crise de identidade, de caráter e de valores. Eles queriam ser outra coisa, pessoas diferentes do que eram ou do que poderiam ser. Apostaram tudo num certo estilo de vida que aparentemente lhes garantiria fama, diversão e felicidade. Era o sonho americano, mais uma vez. 


É claro que não são desculpáveis os roubos e invasões que a Bling Ring cometeu. Mas é sintomático. É tipo “um retrato dos nossos tempos”, embora isso seja blasé e besta. Mas talvez, veja bem, talvez seja inegável que vivemos um momento em que “parecer ser alguma coisa” é a ordem do dia, seja isso autentico ou não. Ninguém quer ser malvestido, estar fora dos padrões, não ter amigos e amores incríveis e não ter uma vida divertida e interessante. Eu quero isso. Você também. Mas aí está o ponto de mutação: isso faz parte daquele estilo de vida especificamente? Um estilo de vida divulgado e propalado como o único aceitável e descolado – que ironicamente acaba em prisão por porte de drogas, tribunais e clinicas de reabilitação. Não, não faz. Minha avó, e talvez minha mãe, diriam que isso é fruto de valores deturpados, que essa geração não sabe o que é importante e o que realmente vale a pena na vida. Eu fico calada, porque estou louca para comprar o Ruby Woo, da MAC (que é tipo, o vermelho desejo, que toda mulher precisa ter, e é lindo para cacete!). Esse é um ponto.


Outro ponto é a maneira inteligente que Jo Sale mostra como todos os envolvidos no caso, os acusados, os advogados e até a polícia estão garantindo seus quinze minutos de fama. E é bem chocante, para não dizer asqueroso, como os adolescentes, que poderiam ter pegado uns 40 anos de cadeia, são o que menos importa na equação dos adultos. Ficou muito claro para mim que ela os localiza numa contingência cultural, e os mostra também como vítimas, como fruto, como reflexo de uma educação fragmentada. São crianças, sim, que estão com sérios problemas por não terem conseguido responder a tal pergunta do “quem és tu?”, ou respondido da forma errada. Claro que nada disso justifica, mas faz pensar. 

Para encerrar. Só uma coisa me deixou inquieta. A sensibilização extrema de Nick Prugo pela jornalista. Ele era o único menino da Bling Ring, foi ele que pesquisou os endereços e o melhor dia de entrar nas casas. Foi ele que confessou todos os crimes com a orientação de seu advogado, revelando todos os envolvidos e todas as residências invadidas. Foi com o depoimento dele que a polícia pode resolver o caso. Todos os outros integrantes negaram envolvimento e se voltaram contra Nick. A postura do seu advogado foi questionada e tida como um pouco imbecil por alguns advogados envolvidos, principalmente porque ele não fez nenhum acordo antes de confessar e não há estratégia de defesa possível nessa situação. 

Mas você entende no final, ao menos eu entendi, os motivos da jornalista. Ele foi extremamente mal orientado por um advogado, que também só queria ser famoso e lucrar com o caso da Bling Ring. Mas é confuso, como a própria jornalista deixa claro, todos os garotos mentem muito e estão acostumados e construir imagens favoráveis de si mesmos. Então fica muito no plano da sensibilidade saber se o que dizem é verdade ou não. No fim é um livro triste, porque a Bling Ring é apenas a ponta do iceberg, embaixo há um aglomerado de crianças espalhadas pelo mundo que desejam não ser o que são e não ter a vida que têm. As crianças estão sofrendo, cada vez mais e cada vez mais cedo. 
                       
 Desacelera, criança louca
                        Você é ambicioso demais para um jovem.
                        (Vienna, de Billy Joel – música preferida de Nick Prugo)

 Nick Prugo no tribunal em 2 de dezembro de 2009.

Livro: Bling Ring: a gangue de Hollywood
Autora: Nancy Jo Sales
Editora: Intrínseca
Preço: R$24,90

4 comentários:

  1. Oi Maira, eu vi esse filme ontem e gostei bastante do seu post. Não li o livro, mas a gente sabe bem como são essas coisas.
    Engraçado você falar que eles postavam fotos no facebook com as coisas roubadas, claro, não adianta nada ter se não pode mostrar, o status vem justamente dos outros saberem.
    É uma loucura, mas como vc bem ressaltou, hoje em dia cada vez mais isso é frequente e, salvas as proporções, todos nós sabemos um pouco como é.
    Beijo

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Quero muito ver o filme. No livro tem uma conversa da autora com a Sofia, que explica o que a levou a se interessar pela história. Eu fiquei bem tocada com o relato todo.
      bjs

      Excluir
  2. Logo que fiquei sabendo dessa história, achei absurda. E eu teria ignorado completamente essa foto de adolescentes loucos por marcas e celebridades se não tivesse visto o nome da Sofia Coppola no cartaz do filme. Como sou fã da diretora, resolvi ler com atenção. Fiquei muito interessada. Ainda não consegui ver o filme nem ler o livro, mas espero fazer isso em breve. Acho que vou gostar ;)
    beijo

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Eu também pensei: "Ah, dá um tempo!", mas li o primeiro capítulo disponibilizado pela Intrínseca e vi que não era exatamente o que eu estava pensando. Foi uma leitura muito produtiva, de verdade. E a Jo Sales pesquisou muito, leu muito e tem um carinho especial pelo tema. Se der, lê sim.
      bjs

      Excluir